Diário de Viagem

primeiro dia
Os primeiros quilômetros
Saímos de Porto Alegre com alguns pingos de chuva, que, depois, se transformaram em muitos mas, tudo sob controle. Temos todo o equipamento necessário para enfrentar o mau tempo. Encontramos o Fernando em Santa Maria e seguimos para São Borja. No caminho uma baixa: a moto do Gérson quebrou qualquer coisa no sistema de relação e ele teve de voltar prá Porto Alegre. Clima de camaradagem, boas risadas, parceria, cerveja...mais cerveja do que parceria...hehehe...brincadeira.
Perdemos um dia em São Borja, mas, como diz o outro, o tempo que se quer perder não é tempo perdido. Tínhamos de tentar consertar a moto do Gérson e tudo o que era possível foi feito. Não adiantou e ele retornou prá Porto Alegre. Ficamos todos tristes, mas, ficou a combinação de, no nosso retorno, combinar alguma viagem que inclua o Gérson e uma moto sem tantos arames segurando as peças. Ou, pelo menos, que ele traga arames mais fortes.

segundo dia
Susto: uma moto que cai


Saímos cedo de São Borja em direção a Argentina debaixo de muuuita chuva. Trâmites de fronteira numa buena. Los hermanos argentinos com a prestatividade de sempre. Entramos em  Santo Tomé apenas para abastecer as motos e eis que acontece algo inesperado: Paulo Mota, o mais banana dos que restaram, deixou cair a moto no posto de gasolina e, ao tentar  agarrá-la, deslocou o ombro e foi parar num hospital. Outro dia perdido (mas, não para comer e tomar cerveja). O médico disse que o Paulo não poderia pilotar tão cedo, então pensei: acabou a viagem, já no segundo dia. Resolvemos então passar a noite na cidade e no outro dia, pela manhã, descidir sobre o futuro da viagem. Ficamos em uma  pousada maravilhosa, com ar condicionado perfeito para secar até 30 quilos de roupas molhadas. No café da manhã, acabamos com a comida do lugar. Eles tiveram que fechar as portas para ir às compras. Descidimos continuar em frente, beleza!!!!!!

terceiro dia
Entrando na Argentina

Agora, sim, viagem de verdade. Estrada linda, com sol, motociclistas que não bebem, ossos que ficam em seus devidos lugares. Neste dia comemos 540 quilômetros de estradas e chegamos a Machagai. Lugar estranho, com "um milhão" de motinhos tipo mosquitos, "zumbindo" prá todo lado, sem regras de trânsito alguma. Como naquela batalha do filme Guerra nas Estrelas, que tinha uma corrida de estranhos veículos no deserto. Nos cansamos de tentar passear naquela loucura e voltamos para o hotel para tomar uma cerveja, ao ler no jornal local constatamos que as motinhos matam mais do que a fome que assolava este lugar anos atrás.

foto: S. Tauber

quarto dia
monotônia na Província del Chaco

Acordamos em Machagai com dois ruídos ensurdecedores, um, dos roncos do Fernando e o outro de uns caras com uma motoserra de uns 200 hp cortando uma sequóia, ao lado da nossa janela, às 5 horas da manhã. Preferimos então acordar o Fernado pois os caras da motoserra são muito grandes e achamos mais prudente não reclamar.
Iniciamos a viagem  neste dia com a intenção de dormir em Joaquin Gonzales mas descidimos ficar uns 25 km antes, em El Quebrachal, a cidade dos mosquitos borrachudos. Esses insetinhos nos tomaram meio litro de sangue e mesmo assim não conseguimos matar nenhum. São muito rápidos, diferentemente dos mosquitos brasileiros. Para chegarmos ao destino do dia cruzamos quase toda a Província del Chaco, numa imensa reta de quase 500 km, passando por Pampa del Infierno, que faz, verdadeiramente, jus ao nome que lhe deram, com porcos, cabras, ovelhas e cavalos cruzando a pista,  muita atenção nesta hora, urubus comiam  animais mortos a beira da estrada. Comendo animais vivos  não vimos nenhum, mas, pode haver. Há de tudo na região. Também tem os insetos que explodem contra os capacetes formando uma linda película verde, que dá até pena de lavar. Todos são verdes, mas, pode haver outras cores. não sabemos.


Quinto dia
Entre Salta e Jujuy: maravilha



 
Foi dureza. Saimos de El Quebrachal em direção à Salta. Dia quente, suor correndo pelas costas até o rego da bunda. Mais quente do que ontem. Estrada ruim, alguns buracos e muitas ondulações, parecendo um tobogan, bom teste para amortecedores. O medo que tínhamos de ser extorquidos pela Policia Caminera se espalhou para todo o povo argentino. Tudo aqui é caro demais. a gasolina é mais cara do que no Brasil, uma Coca Cola litro a R$ 10,00 e por ai vai, sem KY. Quisemos ficar com uma garrafa de lembrança, mas, ai era mais caro...desistimos.
Em Salta. Umidade do ar baixíssima, nariz sangrando e ardendo o tempo todo. Procura desesperada por um cabo para o velocímetro de uma das motos em meio ao trânsito urbano. O turismo em Salta ficará para o retorno do deserto. Pretendemos ficar por aí por mais dois dias. Saímos então em direção a Jujuy por uma rota alternativa chamada la Cornisa. Trajeto de cinema, estradinha estreita, com centenas de curvas muito apertadas, com cartazes que diziam: UM DE CADA VEZ.  Paisagem deslumbrante, clima de montanha, mais vacas, mais cabras, mas tudo muito lindo. Fizemos boas fotos, uns videozinhos tolos, nos divertimos demais.





Algumas Lhamas         foto: S. Tauber
Agora, à noite chegamos em San Salvador de Jujuy. Com a sorte que estamos tendo, entramos na cidade  bem na hora do rush, tipo 6 da tarde, trânsito enlouquecido. Andamos uns vinte quilômetros em volta do centro da cidade e a noite, com muito movimento, algumas ruas interditadas devido a uma festividade local, o GPS já estava enlouquecido mas conseguiu nos levar até  um hostel bem sujinho, porém  com cerveja barata.
Agora, com licença. A cerveja está esquentando.

Sexto dia
Humahuaca: argentinos quase bolivianos



Quebrada de Humahuaca

Saimos de Jujuy em direção a quebrada de Humahuaca, paramos  antes em Tilcara para fazer umas fotos, neste percurso existem quatro ou cinco povoados de origem aimará e quichua, muitas casas construidas com adobe, uma espécie de tijolo cru, retirado diretamente das montanhas, aqui os nativos tem traços bolivianos, após algumas fotos rumamos para nosso ponto final do dia: Humahuaca, a 3.000 metros de altitude, tivemos a impressão de não estar mais na Argentina e sim na Bolívia, ficamos em um hostel onde o dono também é motociclista, mais tarde chegaram dois argentinos em duas Honda África Twin, a noite procurando um lugar para jantar entramos em um pequeno restaurante onde um grupo musícal fazia uma apresentação de músicas humahuaquenhas,  bem legal!


Festividades em Humahuaca


Sierro de las Siete Colores


Sétimo dia 
Off road no sal

Salar na Argentina
Após termos alcançado nosso ponto mais extremo ao norte da Argentina (já estávamos quase na fronteira com a Bolívia), retornamos de Humahuaca em direção a  Susques por uma estrada impressionante, muuuuuitas curvas na Cuesta de Lipan, 
Cuesta de Lipan

uma estrada em forma de caracol, que sobe (ou desce) a cordilheira dos Andes, alcançamos a primeira grande altitude: 4.170 metros acima do nível do mar, duas das três motos começaram a ter problemas com a altitude, a moto do Sérgio, com um sistema de ar forçado, imitando um turbo (marca Gambitech) conseguiu alcançar a marca dos 120 km/h em 5ª marcha, sem falhar, a 4.200 metros de altitude. Andamos de moto nas Salinas Grandes, uma imensa reserva de sal  no meio do nada.
Baixa temperatura a 4.600 metros de altitude

Fronteira da Argentina com o Chile



Filmamos algumas lhamas aqui e ali e finalmente chegamos a Susques, nosso destino do dia, na chegada um desentendimento por causa da escolha do hotel, resolvemos  ficar numa cabana a beira da ruta 51, entre as montanhas da Cordilheira dos Andes. A noite, apesar do cansaço, a dificuldade para eu dormir era grande,  o ar não chegava na sua totalidade, respiração ofegante , faz parte da aventura.


Vicunha

Hospedagem no deserto

Amanhã cruzaremos a fronteira com o Chile e no início da tarde finalmente chegaremos ao deserto de Atacama.

Oitavo Dia
deserto de Atacama




Hoje, não sei se falo sobre paisagens ou poesia. Acho que vou misturar as duas coisas. Dá uma certa frustração de saber que as palavras, aqui jogadas, nem de perto, podem transmitir as sensações, o deslumbramento que sentimos no trecho que percorremos entre Humahuaca e San Pedro de Atacama. Paisagens exóticas, desconcertantes, como se estivéssemos em outro planeta. Não é à toa que a NASA veio testar seu veículo de exploração marciana aqui. É tarde da noite e não nos cansamos de comentar sobre as coisas que vimos. Salares perdidos à beira de desertos inóspitos, com um rebanhozinho de vicunhas para emoldurar as fotos...demais, demais.


Gelo no deserto




Antes de encerrar, uma piadinha: em San Pedro de Atacama tudo é tão caro, mas tão caro que rebatizamos a cidade para San Pedro de te Carcando.


Nono dia
a impressionante sensação de viajar 230 km pela borda do Pacífico
Em direção as terras do norte (entre o mar e o deserto)

 

Hoje saímos de San Pedro de Atacama  e descemos até o Oceano Pacífico. Nossa intenção era de chegar em Iquique pela ruta 5, uma carretera que corta o deserto porém, alguns argentinos, com BMWs nos desaconselharam devido a grande possíbilidade de não conseguirmos reabastecer nossas motos, este conselho nos foi dado  num cruzamento bem no meio do deserto, debaixo de uns 35º C, prudentemente descidimos então descer até Tocopilla, cidade portuária distante uns 60 km dali. De cara, uma ladeirona que deve ser o melhor lugar do mundo para andar de carrinho de lomba, ou skate. De San Pedro até o mar foram quase 200 km de deserto, mas, deserto, mesmo. No caminho, devaneando, a música A Horse With no Name (America) não me saia da cabeça. Sabíamos que a paisagem do Deserto de Atacama ia virar oceano...e virou mesmo. alguém lembra da canção? Vou colocar um pedacinho do final....

After nine days I let the horse run free
'Cause the desert had turned to the sea...
No nono dia eu deixei o cavalo correr livre porque
O deserto se tranformou no mar..


Ao fundo, Tocopilla (Chile)



foto: S. Tauber

E foi assim mesmo que aconteceu, chegamos em Tocopilla, à beira do Oceano Pacífico. Cheiro de mar, gaivotas, pescadores e tals.
Encontramos uns motociclistas brasileiros muito legais que vieram de Campinas, em São Paulo.

foto: S. Tauber
 Interessante, como viajar de moto conecta as pessoas. Devia ser assim quando as pessoas, em tempos remotos,  viajavam a cavalo, ou de mula, ou de camelo, ou a pé, ou de elefante, ou, sei lá. Há uma conexão e uma cumplicidade constituidas pelas agruras e experiências em comum. O medo de que uma mula quebrasse uma pata encontra paralelo no receio de que alguma coisa se quebre na moto...
Depois, rumo ao norte, quase 300 km de uma costa recortada pelo oceano Pacífico até Iquique. Hostel La Casona, gente boa, cozinha coletiva, cerveja, conversa jogada fora e este relato.
Amanhã: sem motos. Estão atadas no pátio, como os cavalos e camelos de antigamente...

Décimo dia
Turismo em Iquique

foto: S. Tauber

Um dia inteiro em Iquique. Coisas de cidadão normal. Pela manhã fizemos um tour marítimo pela orla desta cidade, percebemos que os chilenos são muito nacionalistas, pois enaltecem a todo momento seus heróis e sua bandeira, no retorno para o ancoradouro o Sérgio teve a oportunidade de pilotar o barco, parecia um adolescente dirigindo um carro pela primeira vez. Mais tarde, já no hostel, preparamos um almoço espetacular (que não lembro o que era). Fomos a uma zona franca, compramos umas porcarias que custaram o mesmo que em Porto Alegre, enfim, um dia sem motos, desertos e estradas. Final do dia, um chimarraozinho para ver o por-do-sol no Pacífico e então rola a adrenalina do dia: uma ave marinha conhecida como  cormorão nos acerta uma baita cagada na cabeça. Acertou em todos. bicho treinado, boa pontaria. Na outra encarnação ele deve ter sido um piloto de caça. Nem limpei, deixei secar e guardei o "bostaço" de lembrança na jaqueta.
preparando a janta, entre uma cerveja e outra foto: S. Tauber


Décimo primeiro dia
De volta ao deserto

On The Road Again. Saímos cedo de Iquique em direção a Tocopilla, ao sul, começamos aqui nosso retorno, 230 Km de Ruta 1, sempre pela borda do Pacífico. Paramos muitas vezes, as paisagens sempre deslumbrantes, as cores sempre surpreendendo, o cheiro do mar...lembrei de Albert Camus: Ver e ver sobre este mundo. O que pode ser mais importante?
Tocopilla, Calama, de volta ao  deserto e chegada, ao final da tarde em San Pedro. Um pequeno desvio próximo ao povoado para conhecer o Vale de la Luna. Andamos 15 km no rípio e nos perdemos.

Não achamos o tal do vale, mas, nos divertimos arriscadamente, andando a 130 km/h no rípio. Afinal, não dizem que "devagar quebra mola"?. Estamos com todas as molas inteiras.
As motos Falcon são estupidamente fortes e versáteis.
Um nota decepcionante: encontramos muito lixo nas paradas que fizemos na beira do mar. Nenhum respeito pelo meio ambiente, joga-se lixo, animais mortos e demais porcarias em qualquer lugar. Apenas o oceano é pacífico, as pessoas, com suas atitudes, não.

natureza exuberante, descaso humano  foto: F. Correa




Décimo segundo dia
Turismo no Atacama

Na noite anterior aproveitamos para comprar alguns mantimentos e cervejas (estamos cozinhando no hostal) , também agendamos um passeio às lagunas altiplânicas. Na manhã de hoje a Van da agência de turismo veio nos buscar, foi muito legal, fizemos um tour pelo salar de Atacama onde pudemos avistar vários flamingos e outras aves na Laguna de Chaxa, na Reserva Nacional de los Flamencos, Felipe, nosso guia, era muito instruido, além de dirigir a van nos falava da história dos lugares visitados, em espanhol e ingles. Visitamos também o povoado de Socaire, as lagunas Miscanti e Miñique, a 4.200 metros acima do nível do mar, onde pudemos avistar os vulcões de mesmo nome, o guia nos informou que a NASA vem estudando o vulcão Shiliquis, próximo aos outros dois e que o mesmo tem grande potencial de erupção devido a uma grande bolha de energia em seu interior, será que o nome quer dizer alguma coisa? em seguida descemos  até a quebrada de Jerez, uma fenda no solo por onde escoa a água do degelo dos Andes, dando origem a um oásis no meio do deserto altiplânico,  passamos também pela base do projeto ALMA, uma organização de vários países para pesquisas astronômicas no altiplano andino, após,  rumamos a simpática cidadezinha de  Toconao, Foi um dia bastante produtivo, e após avistarmos alguns remolinos à beira da estrada(vortex criados pelo vento) voltamos ao encontro de nossos cavalos de aço que   ficaram atados e descansando em San Pedro.

Salar de Atacama        foto: S. Tauber

Achei interessante esta tese sobre a origem do sal no deserto do Atacama pois até então ouvia falar que sua origem estava na água do mar em épocas remotas.


vulcão Miñique foto: S. Tauber


foto: S. Tauber

foto: S. Tauber




Décimo terceiro dia
Mais turismo
Hoje resolvemos tentar encontrar novamente o Vale de la Luna, visto que da outra vez erramos o caminho, antes agendamos um tour as Termas de Puritama para a tarde. Seguimos com nossas motos até o vale, lugar espetacular, cinematográfico, montanhas e vales de areia vulcânica lembravam o ambiente lunar, voltamos por volta de 12 horas para a cidade, almoçamos, às duas horas da tarde já estávamos na cidade esperando o veículo que nos levaria ao passeio da tarde. Rodamos uns 30 km por estradas que riscavam o deserto e penetravam em imensos vales quando finalmente chegamos a um grande canion, aí estava nosso destino do dia, as Termas de Puritama. No interior do canion corre um pequeno rio de "águas calientes", passei quase duas horas de molho numa água cristalina e a uma temperatura de quase 35º C, maravilha. Ao cair da noite atacamenha estávamos de volta comendo um saboroso "lomo estaca" em um pitoresco restaurante do povoado. Agora vou dar mais uns goles numa cerveja Cristal que está aqui na minha frente,  colocar umas fotinhos no blog e depois preparar a bagagem para amanhã, pois pegaremos a "carretera" novamente. Aqui uma observação: estou impressionado com a vontade que sinto de voltar para a estrada novamente, passamos dois dias sem as motos, fazendo turismo e parece que a estrada me chama a todo momento, parece um vício. Acho que a estrada está para mim assim como a cachaça está para o ébrio, hehehe.

cenário lunar           foto: S. Tauber




foto: S. Tauber


foto: S. Tauber


termas de Puritama (piscinas naturais a 30º C) foto: S. Tauber














Décimo quarto  dia
Frio novamente

Hoje saimos de San Pedro de Atacama,  rumamos para Susques, na Argentina, subimos novamente a 4.800 metros acima do nível do mar, frio de rachar, dor nos dedos das mãos, um pouco de dor de cabeça devido a diferença de altitude, (nada que um bom chá e algumas folhas da mesma planta não resolvam) paisagem deslumbrante, que viagem, chegamos a Susques ainda com sol, lugar mágico, amanhã vamos pegar a lendária ruta 40, 130 km de rípio em direção ao remoto povoado de San Antonio de los Cobres, vai ser uma viagem punk, o dono do hostal Pastos Chicos nos falou que, na opinião dele, este é o melhor pedaço dos 5.000 km desta estrada que cruza a Argentina de Sul a Norte, estou "pagando" para ver.

Acima dos 4800 m, maior altitude alcançada na viagem

Lagos congelados




Água congelada

Décimo Quinto dia
Outro susto: queda no rípio a 90 km/h
Saímos do hostel em Susques pela manhã, friozão, pegamos a ruta 40, uma estrada de rípio, (estrada de chão, com uma intensa camada de cascalhos, terra e areia solta), 130 km mais ou menos, saímos bem faceiros achando que ia ser um belo passeio, ledo engano, existem duas rutas 40 nesta região da Argentina, a velha e a nova, escolhemos a nova, principalmente porque o dono do hostel nos disse que esta era muito bonita, péssima escolha, foram 130 km de puro ripio, estrada deserta, perigosa e traiçoeira, linda, porém traiçoeira, em diversos trechos o piso se tranformava numa longa extenção de pedriscos soltos e areia fofa, adrenalina a mil, motos pesadas tentavam se manter de pé naquele cenário de rali Paris-Dakar. E eis que acontece o que menos queríamos, "compro" um pequeno lote de uns 20 metros na ruta 40, estou a 90 km/h quando a moto começa a trepidar perigosamente a frente, o guidom fica instável e depois daí só me lembro quando meus  companheiros estão me levantando do chão. Sensação estranha, do momento da trepidação do guidom até a ajuda de meus companheiros não consigo lembrar de nada, coisas desta máquina chamada corpo humano. Como eu havia dito no dia anterior, que estaria pagando para ver, cheguei a conclusão que paguei meio caro, pois na queda a moto quebrou a carenagem do farol, o pisca do lado direito e o conjunto do painel frontal, o velocimetro ainda funciona porém o conta giros enlouqueceu. Fisicamente poucos danos, ao cair bati com o pulso no chão, ele inchou e ficou doendo, raspei o capacete na terra, meu queixo ficou um pouco dolorido, santo capacete. O resto da viagem até San Antonio de los Cobres foi um sacrifício só, mais 60 km  de muita areia, pedras e pedriscos além de várias  curvas a beira de penhascos mas com uma atenuante: a paisagem era exuberante, passamos pelo vulcão Tuzgle, espetacular,  em todo este trajeto não vimos sequer  um ser humano, apenas algumas vicunhas e lhamas. A tarde chegamos a remota cidadezinha de San Antonio de los Cobres , muito exaustos, empoeirados  e com fome, foram 130 km em aproximadamente sete horas, realmente um dia muito "punk".
O povoado parece uma daquelas cidades do velho oeste americano, vento, poeira, ruas arenosas, casas de adobe mas o lugar tinha um diferencial muito importante: pessoas simples, educadas e hospitaleiras. Procuramos um lugar para descansar o "esqueleto", eu, com a roupa cheia de terra e poeira, seguido por  meus companheiros me dirigi ao pequeno hospital para para fazer um check up do pulso, que me doia muito, fui atendido por uma médica muito educada e profissional que me aplicou uma injeção na bunda, (pô, bem que podia ser no braço, hehehehehe), saí mais dolorido do que entrei, e agora, além do pulso  me doia  também a bunda, mas tudo bem, era apenas uma pequena luxação, nada  grave, me fui para o hostel jantar e tomar algumas cervejas porque ninguém é de ferro. (Fernando comentou que agora são dois a gemer na hora de dormir, hehehe).
Amanhã conto o resto e posto mais algumas fotos, hasta la vista.

inicio da trilha           foto: S. Tauber


casas de adobe            foto: S. Tauber


foto: S. Tauber


aqui ainda tinha um trilho     foto: S. Tauber



foto: S. Tauber


resultado da queda       foto: F. Correa

foto: S. Tauber

cardones                    foto: S. Tauber

Décimo sexto dia
Em direção a Salta

Hoje começamos a descer a cordilheira em direção a Salta (a linda), meu corpo ainda dói um pouco devido a queda do dia anterior, antes de partirmos fui novamente ao hospital de San Antonio de los Cobres e tomei mais uma injeçãozinha básica, exigência da doutora, fazer o que né?, pegamos a ruta 51, mais rípio, uns 30 km mais ou menos, porém um pouco melhor em relação ao dia anterior na ruta 40, belas paisagens, muitas curvas, um espetáculo gratuito da natureza, lá pelas tantas paramos em um bar para descansar e comer alguma coisa, na verdade o bar era uma casa velha a beira da estrada,

em seu  interior uma senhora já idosa nos atendeu, num canto, em uma mesa, um caminhoneiro mau encarado nos olhava enquanto tomava uma sopa rala servida pela senhorinha, pensamos em dar meia volta e sair dali mas para não assustar a velhinha pedimos um refri e depois nos mandamos, o tempo se preparava por sobre as montanhas, ia chover a qualquer momento, descemos em direção a Salta com uma chuvinha bem chata, andando por sobre o rípio, todo cuidado era pouco, às 17 horas, com o auxílio do GPS, estávamos chegando ao hostel que havíamos reservado no dia anterior,  ao chegarmos no hostel um detalhe me chamou a atenção: na TV da recepção passava um filme com Dustin Hoffman e um outro ator que agora não lembro o nome, parei para olhar um pouco enquanto meus companheiros preenchiam a ficha de hospedagem, eis que surge o proprietário do hostel, era a cara do Dustin Hoffman, muito parecido mesmo, quase um clone latinizado (se é que existe esta palavra, hehehe), em seguida tomamos um banho e saímos a cata de algum santo bar para nos refrescarmos um pouco, amanhã acho que faremos um tour pela cidade, aquele que você embarca em um onibus turístico, fica sentado naquela parte superior aberta, com uma camerazinha na mão tirando "retratos" de monumentos e prédios antigos, coisas de turista, hehehehe.



Décimo sétimo dia
Múmias de Llullaillaco

Nosso hostel fica a uns 15 minutos do centro da cidade, resolvemos dar um descanso para nossas máquinas e pegar um táxi, Salta é a maior cidade ao norte da Argentina, é a capital da província de mesmo nome, está localizada na encosta da Cordilheira dos Andes, a uma altitude de 1.200 metros, chegamos a um centro com muitas pessoas, carros, autobuses, coisas de cidade grande, mas Salta impressiona pela beleza de seus prédios antigos, suas muitas praças arborizadas, seus cafés e restaurantes, seus estilo quase portenho de viver, aqui, como no resto do país, é tradição la siesta, um intervalo durante o dia quando quase todo o comércio fecha as 12 horas e só volta a abrir em torno das 16 horas. Após um passeio a pé por suas ruas agendamos um tour para mais tarde e seguimos para o Museu de Arqueologia de Alta Montanha pois nossa intenção era conhecer um pouco da história do povo Inca e particularmente as múmias de Llullaillaco (Em março de 1999, arqueólogos encontraram no alto do vulcão LLullaillaco os corpos praticamente intactos de três crianças pertencentes a cultura Inca). Após a visitação comemos alguns Super Panchos e nos dirigimos ao passeio agendado, no segundo andar do ônibus já com a camerazinha na mão eu tentava fotografar alguns monumentos entre um abaixada de corpo e outra pois galhos de árvores teimavam em nos dar alguns abraços de boas vindas.

foto: S. Tauber

foto: S. Tauber


18º, 19º e 20º dias
Chegando em casa

Aqui começa nosso retorno propriamente dito, de Salta fomos até a cidade de Presidência Roque Saenz Peña, novamente 470 km de uma longa reta rasgando o Chaco argentino, animais cruzavam a estrada de tempos em tempos, atenção redobrada, nem todos os postos de combustíveis tinham gasolina para vender, onde tinha, longas filas de veículos eram formadas, temperatura durante o dia: 34º C, a noite no hotel de Saenz Peña: 29º C, um verdadeiro forno. No 19º dia escolhemos a pacata cidade de Ituzaingó, as margens do rio Paraná para pernoitar, lugar tranquilo, pessoas calmas e hospitaleiras. Finalmente no último dia fiz o percurso mais longo desta viagem: 760 km de Ituzaingó, na Argentina a Porto Alegre, após 18 dias comendo basicamente hamburguesas, milanesas (no bom sentido), e "papas" fritas, parei em Santiago, já no Brasil para  comer um bom prato com feijão, arroz e carne assada. Na estrada este último dia foi marcado principalmente pelo vento lateral constante que nos atirava de um lado para outro, mas tudo bem, chequei são e salvo ao reduto do lar.
          Este é o momento de um belo por de sol as margens do Rio Paraná, junto a cidade argentina de Ituzaingó.

foto: S. Tauber

Balanço da Viagem


Nestes 20 dias , rodamos 6.200 km para poder conhecer o deserto mais árido do planeta, saímos do Brasil num grupo de quatro pessoas e, infelizmente, no segundo dia um companheiro teve que retornar para casa devido a problemas mecânicos em sua motocicleta, sorte dele estar perto de casa ainda, dois acidentes leves também aconteceram: um com o Paulo, que tentou evitar a queda de sua moto, parada em um posto de gasolina e deslocou o osso do braço, junto ao ombro, tendo que ser levado ao hospital local, outro comigo, uma queda a 4.200 metros de altitude, no deslocamento por sobre a traiçoeira ruta 40, fraturei alguns ossinhos da mão direita mas felizmente sem nenhuma gravidade. Nestes 6.200 km tive o prazer de desfrutar da hospitalidade do povo argentino além de perceber no dia a dia de estrada a quase veneração que a maioria deles tem  pelos motociclistas viajantes, muitas foram as pessoas que nos abanavam na estrada ou ao se  aproximarem  de nossas motos, ficavam encantadas quando falavamos de nosso feito. Encontramos muitos motociclistas em viagem e sempre a mesma cordialidade dos irmãos de estrada. Um fato também interessante aconteceu: saímos do Brasil com a quase certeza que policiais desonestos nos parariam para pedir "coima", um espécie de contribuição financeira para podermos continuar viajando mas em nenhum momento fomos abordados pela Policia Caminera, na Argentina ou pelos Carabineros, no Chile. Nem sequer pedágios pagamos em todos estes 20 dias. Provamos diversos gradientes de temperatura e altitude, desde 34º C no Chaco até 2º C com uma sensação térmica de 5º C negativos na puna cordilheirana, alcancei minha maior altitude rodando com a moto: 4.822 metros acima do nível do mar, próximo a fronteira do Chile com a Argentina, visualizamos  salares, desertos, montanhas nevadas, lagos azuis, verdes e negros, lhamas, vicunhas e flamingos, conheci um pouco da cultura do povo do norte da Argentina, pessoas de origem ou etnia aimará e  quechua, no Chile viajamos um dia inteiro pela costa do Pacífico sobre uma sinuosa carretera  até chegar a bela cidade de Iquique. No grupo, pequenos desentendimentos aconteceram, coisas do convívio de 20 dias seguidos, porém ficou mais evidente o companheirismo e a camaradagem. Como é bom executar uma grande viagem como esta fazendo várias pequenas viagens todos os dias, adentrando o interior do continente americano aos poucos, sem pressa de chegar. Agradeço a Deus por ter me guiado nesta longa jornada e a minha família, que ficou me enviando forças positivas, além dos amigos que ficaram torcendo para que esta viagem desse certo. Obrigado!!!!!!!

foto: S. Tauber



foto: S. Tauber